O Grivo

Entrevista à 28ª Bienal de São Paulo

Entrevista

José Augusto Ribeiro, 2008

José Augusto Ribeiro: O trabalho que vocês apresentam na 28a Bienal de São Paulo reúne, em seus diferentes segmentos, características pontuais da obra em curso d’O Grivo. Refiro-me aos interesses e procedimentos que estão subjacentes às produções específicas na trajetória da dupla e que nem sempre, ou não necessariamente, apare‐ cem relacionados e interdependentes em trabalhos anteriores: por exemplo, a criação de instrumentos e aparelhos sonoros feitos a partir de materiais marcados pelo desuso em sua função original, com um funcionamento que se vale, ao mesmo tempo, de sistemas elétricos e mecânicos; a exploração das propriedades físicas do som, tanto

na produção quanto em sua reprodução do som; o aspecto doméstico resultante da construção de maquinetas quase autômatas; a espacialização acústica e o tratamento eletrônico de ruídos que, a princípio, não têm a pretensão musical da “composição” etc.

Gostaria de saber se a proposta, aqui, resume o desenvolvimento das pesquisas sonoras e visuais do duo desde o início de sua atividade, em 1990, ou assinala um momento em que ver e ouvir as coisas d’O Grivo formam, mais do que antes, uma unidade – agora com dispositivos vários para desestabilizar a percepção?

O Grivo: Não pensamos que a proposta seja um resumo de nossas pesquisas sonoras e visuais desde 1990. Os trabalhos anteriores têm características distintas e cada uma das peças musicais tem um modo de montagem particular. É exatamente a descoberta desse modo de montagem que caracteriza cada uma das peças. Assim, por meio de uma série de gravações e da escuta posterior de nossas improvisações, chegamos a uma forma de lidar com o material sonoro que, por sua vez, estrutura e define o nosso modo de agir diante de uma diversidade ilimitada de procedimentos formais. O que tem caracterizado a pesquisa musical d’O Grivo, ao longo de todos esses anos, é a tentativa de, a cada nova peça musical, descobrir uma forma de ação.

Tal procedimento leva a uma diversidade de formas de estruturação musical, por mais que tenhamos uma concepção estética com a qual queiramos lidar a cada período. Quando você fala de resumo, lembramos de toda uma lista de modos de estruturação e combinação dos sons, e mesmo de sonoridades, que já utilizamos e não estão neste trabalho. Claro que, com este esclarecimento, fica a pergunta: “E a imagem? Vocês só disseram a respeito do som!” A imagem é uma consequência da funcionalidade sonora e musical, mesmo que em alguns momentos tenhamos de optar por
uma solução que privilegie um certo equilíbrio com a imagem. Quando usamos uma
lata velha, não é porque a achamos atraente visualmente, mas porque o som da lata
é interessante – apesar de buscarmos uma visualidade equilibrada. O que a nosso ver assinala o que você falou desse momento em que “ver e ouvir formam, mais do que antes, uma unidade” contém dois pontos. O primeiro: as pessoas fazem o seu próprio percurso entre os objetos e as caixas de som, elas podem se aproximar ou se afastar. Cada ponto tem características sonora e visual próprias, e os visitantes podem escolher por quanto tempo desejam escutar cada peça musical ou podem, simplesmente, não

prestar atenção nos sons. Esses percursos criam, além de uma nova maneira de ouvir (muito mais limitada no espaço do palco), uma nova maneira de ver os mecanismos de produção do som. A proximidade do espectador pode gerar uma observação muito mais detalhada. A consequente profundidade das informações visuais do trabalho ganha uma proporção muito maior. No segundo ponto, há uma característica do trabalho que é potencializada no espaço da instalação: a convivência em um mesmo lugar e ao mesmo tempo de quatro estratos sonoros diferentes. Dentro desses estratos, várias peças musicais diferentes podem conviver. Separadas espacial e estruturalmente entre si, elas dialogam por meio do timbre, do ritmo, da intensidade etc. O diálogo é tão importante quanto cada peça. O que vemos se configurar é uma montagem que possibilita a convivência de vários trabalhos, em um espaço físico muito grande.

Entrevista organizada pela curadoria da 28a edição da Bienal de São Paulo.